quarta-feira, outubro 18, 2006

O segundo tango...

Voltei como prometera! Numa tarde para que não fosse embalado pela música e enganado, sereno pelo entardecer, cheio de cheiros e mais versos.
Sem a noite todo o lugar parecia diferente. As letras de néon estavam ainda apagadas e o lenço fadista guardado no bolso do sujeito que abriu muito os olhos ao ver-me.
- Senhor! Que prazer em revê-lo. Não mais esqueci esses seus lindos olhos verdes...
Não sei se sorri ou se mordi os lábios para não rir. Irritar-me não seria resposta a tão gentil elogio. Cumprimentei-o com delicadeza e subi as escadas. Não pareceu importar-se por eu entrar ainda de dia e sem suspeita de que alguém me esperava.
De noite as escadas eram um local muito escuro e simples passagem para o interior. Agora, consegui ver um pequeno quintal com um baloiço que não pertencia ali. Era de criança, de uma infância que não existia nesta zona da cidade. Esperei um pouco na entrada, nervoso por não ter um cigarro ou qualquer outra forma de me acalmar.
Lá dentro tudo igual. O dia nunca entrava nesta sala. Aliás, o Sol nem sequer sabia da sua existência e ano após ano ignorava cada recanto cheio de veludo e pesadas cortinas com algum pó.
Mas alguma coisa faltava, como a bailarina que, como esperava, desaparecera sem qualquer memória. Era preciso fechar os olhos, bem sabia! Mas prolonguei ao limite o silêncio, para que o sentisse a falar comigo. Depois sentei-me num banco alto, sem nada para beber e deixei que a música voltasse...
Pela primeira vez na vida dancei sozinho, rodopiando pela alcatifa cor de vinho. Deve ser experiência partilhada pelos mais afortunados, porque passaram breves minutos antes que as lágrimas me escorressem abundantemente. A bailarina voltou então, ainda mais feia e descordenada. Já não tinha chão de madeira antiga e não era só a falta de ruído que transformava o martelar de seus pés num sonho ambíguo e sem sentido.
Toda a cena, desprovida de encanto, de certezas ou aparente magia, transformava-se lentamente numa linda dança, sem arte ou mesmo empenho e tão perto de tudo o que sempre desejei...
Podia ficar ali para sempre, enamorado pela música...embalado pela sensação de nada mais precisar.
Horas mais tarde voltava para casa, arrastando-me com um sorriso eterno. Dentro, uma paz enorme, conquistada pela música, uma dança imaginária e a tarde mais real que alguma vez vivi...

5 comentários:

Kiau Liang disse...

Tangos e sonhos, como poderias ter uma tarde mais real?

inBluesY disse...

é
sentia saudades destas leituras.

Rainha das cores disse...

gosto mt da maneira como escreves.
dança e sonhos...sim, andam as duas muito perto, juntas até...
=)

Rainha das cores disse...

que personagem é essa da tua foto?
ignorancia em b.d., sim...

Cláudia disse...

Gostei muito deste tango :)
Beijinho