sábado, novembro 25, 2006

O casamento...

Já devia ser tarde quando cheguei à praça onde combinei encontrar-me com ela. Maria era uma daquelas mulheres que amamos com vontade de esganar, apertando o pescoço com todas as nossas forças. Precisava de me acalmar. Afinal ia pedi-la em casamento.
Ao longe reconhecia a sua figura. Era gorda! Na realidade não era, mas sempre desejei que fosse. Nada me daria mais prazer que a chamar de gorda e causar-lhe um décimo de dúvida. Daquelas que enviam com brutalidade as mulheres para os ginásios e dolorosas dietas. Com muito sofrimento à mistura.
Mas não! Sorrindo com o corpo ela avançava confiante. E eu pensava – Vou ter que casar com esta puta!
Felizmente a praça era enorme e dava tempo para respirar, limpar o suor de Inverno e pensar um pouco. Mesmo à distância o volume de uns seios irritantemente verdadeiros, deixava-me em delírio. Na primeira noite em que pude vê-los, tocar a sua pele tão macia, quase tive um orgasmo ainda vestido e só por pequenas carícias. O sexo era magnifico! Nunca me sentira assim na vida. A forma como encaixávamos era perfeita. A pele ia escorregando lentamente, resistindo apenas o suficiente para que o prazer fosse levado ao extremo.
Estava agora perto de mim. Os dentes já brilhavam naquela arrogância idiota que tanto me enervava. Se os pudesse partir acidentalmente! Mas não era possível, porque do meu sonho fazia parte uma cadeira voando...
Reparei que parou para cheirar uma rosa. Era muito parecida com a que tinha no meu quarto, oferecida há uns dias. Só um amor verdadeiro poderia levar uma flor numa tão longa jornada de resistência. Maria tinha-me oferecido a rosa sem qualquer razão. Apenas com um beijo suave e terno.
Ela era linda na forma como cuidava de mim, como podia ser amiga e amante e me acalmava nos meus problemas e tantos medos.
As suas mãos gostavam de pegar nos meus dedos e ficar horas a brincar com os meus pensamentos. Eram parecidas com as da mãe, a quem partiria não só os ossos das mãos...
Quem pensavam que eram? Como não perceber a minha angústia. O riso não era forma de lidar com a diferença e levava-me à loucura. Ela estava próximo! E eu arranhava, furiosamente apaixonado, a mesa da esplanada que me acolhia.
Restavam poucos metros, para que esta bruxa encantadora me desse o beijo que só podia odiar. Um beijo de lábios rosa e muito delicados. Eram perfeitos na forma como cobriam o meu corpo até ao amanhecer e atingiam a perfeita arte do carinho ao tocar na face de uma criança ou de um velhinho doente. Doce Maria...
De olhos negros chegou junto a mim. Beijou-me longamente para que pudesse sentir o seu perfume. Meio enfeitiçado ouvi dizer – Vamos querido?
- Sim Maria, podemos ir. A tua mãe já deve estar à espera.
- Que me querias dizer? Parecias preocupado ao telefone.
Enquanto descíamos para a rua junto ao rio, de mãos dadas, respondi calmamente.

- Daqui a pouco já falamos. Vamos que estamos atrasados.

terça-feira, novembro 21, 2006

O chupão...

Sempre fui fiel! Pelo menos até ao dia em fui posto à prova. E então deslizei com estrondo!
Penso, talvez em ilegítima defesa, que infiel não é quem nunca traiu o cônjuge, mas sim aquele que, perante essa possibilidade, não consegue resistir. Ou, recorrendo à teoria do meu avô, «fiel é o marido que traindo a mulher, não a troca pela amante»!! Ele há vários tipos de abordagens e esta pelo menos permite que eu e os meus irmãos pudéssemos chegar a este mundo. Mas voltemos ao principal.
Passaram mais de dois meses, nos quais me aproximei dela e percebi com total consciência que esta não seria uma simples amizade de trabalho. Mas o meu ego estava mais confortável do que nunca e a inveja estampada nos olhos de alguns, faziam de cada dia um triunfo pessoal.
Até que uma tarde, quase sem saber como, no meio de pequenas mentiras, finalmente me espalhei ao comprido. E o meu pesadelo começou! Ao colocar a gravata frente a um espelho, quase chorei ao ver o meu pescoço. Tinha um chupão! E não era um chupão qualquer. Bem visível, já com o sangue brutalmente pisado, aparecia na parte direita do meu pescoço e tinha pelo menos quatro centímetros de diâmetro. Respirei fundo. Tinha que manter a calma!
Acabei de me vestir, com uma última réstia de esperança, para logo perceber que “ele” estava bem a cima do colarinho da camisa e em contraste com esta parecia ainda mais vivo e saudável. Percebi que não iria embora facilmente.
Estávamos em pleno Agosto, com médias de 38 graus, pelo que cachecóis e gola alta foram de imediato riscados da estratégia que, entretanto, começara a delinear.
- O que é que eu faço?
Corri para a minha "companheira" e responsável pela criação da obra de arte e apontei para o meu pescoço. Ela sorriu e disse - Olha, tens um chupão!
Durante cerca de trinta segundos o meu sangue ferveu e só graças a um inesperado auto-controlo as minhas mãos se mantiveram afastadas do seu pescoço, que por solidariedade por certo se tornaria, devido à falta de oxigénio, ainda mais vermelho que o meu, assim como o seu minúsculo cérebro alojado nas proximidades.
Uma vez mais inspirei com calma e tentei descontrair.
Ao ver-me entregue ao meu destino, saí rapidamente para a rua, pensando numa saída para este beco escuro e sem aparente saída. O que faria uma mulher no meu lugar?
E foi então que a passagem secreta se abriu mesmo à minha frente! Do outro lado da rua estava uma daquelas lojas onde só entro no Natal para compras desesperadas, e onde residia, pensei eu, a minha salvação. Maquilhagem!
Se esta arte ancestral pode esconder quase tudo, incluído décadas inteiras não assumidas, seria por certo capaz de anular um simples chupão.
Corri para a porta e entrei com um sonoro - Boa tarde!
Quase de imediato me arrependi de tão imbecil acto pois as empregadas, que eram três numa loja deserta, convergiram para o balcão à minha frente para, irritantemente, perguntarem em coro. - Em que podemos ajudar?
Com todas a veias do meu corpo a latejar, perguntei de forma directa. - Como é que posso disfarçar isto? E ao mesmo tempo apontei para o meu pescoço.
Não sei se já entraram numa loja destas, mas as empregadas estão por norma bem arranjadas, com grandes doses de maquilhagem e perfume, como se elas próprias fossem um expositor móvel dos produtos que vendem. A mais alta e que estava no meio das outras exclamou. - Isso é um chupão!
Impressionado com tamanha capacidade de observação, limitei-me a acenar com a cabeça afirmativamente.
- E como é que o senhor arranjou isso? Perguntou a mulher, que começava a esboçar um pequeno sorriso.
- Acabei de lhe dizer que quero disfarçar com maquilhagem, o chupão enorme que se alojou no meu pescoço. Como é que acha que eu arranjei isto?
A mulher olhou-me de alto a baixo e respondeu.
- Vamos ver o que se pode fazer. Desapareceu com as colegas para baixo do balcão durante uns segundos, para logo voltarem com a maior colecção de recipientes que vira em toda a minha vida. Quase que corri para um espelho, temendo que existissem outros chupões ou marcas visíveis, mas a diversidade de produtos expostos na minha frente foi de pronto justificada.
- Não sabemos qual a base que se adapta melhor à sua cor de pele.
- A base?
- Sim, é uma espécie de creme que as senhoras usam supostamente para servir de suporte à maquilhagem. De facto o que faz é preencher as imperfeições e desníveis do rosto, cobrindo igualmente manchas ou áreas com deficiente pigmentação.
Fiquei em pânico! Por momentos, pensei que não sobreviveria. Mas com o passar dos minutos uma alegria imensa invadiu o meu coração que podia agora retomar o seu ritmo normal. Era uma autêntica magia. O chupão desaparecera por completo. No seu lugar, uma cópia exacta do que fora um dia a pele do meu pescoço. E por incrível que pareça ninguém diria que estava maquilhado, tal era a perfeição da intervenção. Quase beijei aquelas lindas mulheres que me salvaram e depois de uma simpática gratificação, fui para casa.
A minha mulher já tinha chegado e como eu previra não notou qualquer diferença no meu pescoço. Elogiou, inclusive a minha gravata, oferecida pela minha sogra e que estava perigosamente perto da prova do crime. Mas o segredo manteve-se inviolável. Agora podia descansar!
E foi então que uma tonelada de ignorância e estupidez acumuladas pelo sexo masculino durante séculos e séculos, desabaram estrondosamente nos meus ombros. Atordoado pela descompressão e imerso num estado de felicidade absoluto, segui um hábito antigo que sempre cumpria ao chegar a casa. Tomar banho!
Deve ter sido quando a água no fundo da banheira começou a ficar castanha, que percebi a dimensão do meu acto e caí de joelhos já sem pânico, mas envolto apenas num enorme sentimento que misturava tristeza com a total ausência de inteligência.
Vesti o roupão e dirigi-me à sala, preparado para o pior. Estava exausto e a capacidade para mentir abandonara-me por completo.
A minha mulher estava sentada a ver televisão. Sentei-me perto dela e esperei. Restava-me agora, a táctica suprema. O improviso!
Ela olhou para mim e de imediato percebeu a presença alienígena no meu pescoço. Então disse. - Não tinha percebido que tinhas um chupão. A noite de ontem foi realmente especial. Há uns anos que não te ouvia gritar de prazer!
Deu-me um beijo na testa e desapareceu para a cozinha para fazer o jantar.Fiquei uns minutos perdido, em silêncio, até que as memórias começaram a assentar. Na noite passada tínhamos feito amor, ou sexo, ou lá o que se chama quando um dos parceiros adormece em plena, mas pouca acção. O grito não tinha sido de prazer, mas de susto e dor, por acordar com uma enorme dentada no pescoço. Saímos cedo, sem trocar um único olhar e eu passara a manhã fora do escritório e sem acesso a espelhos ou comentários inconvenientes. A tarde, essa começou em ambiente pouco iluminado e terminaria na mais completa escuridão.

sábado, novembro 18, 2006

Eu...

Deus que não existe que me perdoe de todo o mal que faço a mim próprio e a quem amo sem temer...
A quem acredita e apesar de errar, sempre guardará memória estranha de miúdo tolo que atravessa magia e ventos em vidas calmas.
Nobres olhos de candura capazes de chorar pelos que o fazem sem controlo e não são capazes de falar.
Mensagens disformes materializam a minha ansiedade em viver sem querer esperar. Sem dar ao tempo o seu lugar eterno no nosso equilíbrio e incapaz de perceber o erro de não o fazer.
Não sinto ainda forças para mudar, não sem antes te amar, te apertar em algo que chamo sem nome e grito sem me ouvir. Confunde-me não saber se gosto ou odeio o meu destino de respirar o teu peito.
Quero-te e quero sentir a tua voz, apertando a minha consciência, mas acalmando a minha ânsia.

segunda-feira, novembro 13, 2006

Meu anjo... (pensando)

Um dia soube que chegaria um anjo à minha beira...para acalmar os sentidos em palpitação e quase descontrolo.
Chegou no toque de uma mão jovem e suave que não apertou mas deixou passar pequenos arrepios, que apesar de tudo eram calmos.
Anjos são claros diferentes desta pele, mais morena e linda no seu brilho.
Mesmo sem ouvir, a voz do seu canto já invade o meu espírito porque a imagino em cada momento.
É estranho que me tenha feito parar no turbilhão de onde teimo não querer sair. É mais estranho por sentir que é inatingível mesmo no toque, talvez só podendo perceber o meu íntimo.
Passei...e ainda vou passar muitos anos à procura de coisas que não existem e são uma busca que por vezes força as lágrimas ou apertos mais brutais.
Alguém pode ter roubado a paz do meu futuro só para me obrigar a caminhar por mais tempo como se precisasse de uma longa espada para encontrar a saída.
Serão apenas os momentos de solidão a trazerem-me descanso? Devem ter o seu papel predestinado, pois os mesmos conseguem por breves segundos diminuir a ansiedade e estas tão estranhas lutas.

quinta-feira, novembro 09, 2006

O esquilinho...

Era uma vez um pequeno esquilo que saiu momentaneamente de uma história para crianças, para fumar um cigarro. Ao chegar cá fora encontrou um coelhinho.
Espantado, perguntou.
- Que fazes aqui?
- Vim fumar um cigarro.
- E porque não entras outra vez?
O coelhinho suspirou.
- Por causa do cheiro a tabaco.
- Ah. Pois!
Como é que te chamas?
- Coelhinho Rabino. E tu?
- Esquilinho Manel.
Os dois ficaram um pouco em silêncio.
- Devemos ter os nomes mais estúpidos que existem.
- Pois é! Mas o autor desta história já morreu.
- Sim…Já não podemos assassiná-lo. Idiota!
Os dois riram descontraidamente, até o esquilo perguntar.
- Queres mais um cigarro?
- Sim, pode ser obrigado.
- Não sei porque é que vimos fumar. Não é como se tivéssemos acabado de…Bem, tu sabes.
- Sei o quê?
O esquilo corou um pouco.
- Vá não gozes comigo. Tás a perceber muito bem…o tradicional cigarrinho depois de….
- Depois de quê?
- Olha, não sejas parvo. Depois de fazer amor!
O coelhinho sorriu!
Tu é que és rabino! Fazer amor? Numa história para crianças? Quando foi a tua última vez?
- Bom, ainda estou à espera! Mas de uma coisa tenho a certeza!
- Do quê?
- Quando acontecer vou fumar um cigarro.
- Ah, eu também! Nem podia ser de outra forma.
- Claro! Ficava incompleto!
- Pois é…
- É mesmo. E então? Perguntou o esquilinho agora mais sério.
- Que queres tu?
- Achas que era de experimentarmos?
- Tu querias?
O esquilinho pensou um pouco.
- Acho que não! E tu?
- Também não. E já não tenho cigarros.
- Pois! Vamos voltar a entrar?

- Sim…É melhor!

sexta-feira, novembro 03, 2006

O super herói...

Hoje de manhã, enquanto guiava, pareceu-me ver um minúsculo ponto negro no horizonte, deslocando-se a grande velocidade.
Durante uns minutos a imagem permaneceu igual, indicando que o objecto voador, na altura não identificado, estava a uma distância razoável.
O normal seria tratar-se de um avião que voava ainda longe, mas a baixa altitude, pelo que devia ser um qualquer tipo de aparelho militar.
Era muito cedo e eu viajava sozinho na estrada que se estendia por uma enorme planície, onde a visibilidade era perfeita e o horizonte quase sem fim.
Aos poucos o objecto começou a aproximar-se. Comecei por reparar que não estava tão longe como inicialmente julgara, devendo-se esta ilusão, ao facto de ele ser, na realidade, bastante mais pequeno do que imaginara.
Foi então, com uma mistura de horror e deslumbramento, que percebi que não era um avião ou qualquer outra máquina voadora. O objecto tinha acelerado bruscamente, ao mesmo tempo que alterava a sua rota de voo, em direcção a mim. Então, por mais que me beliscasse, consegui perceber uma figura humanóide, rasgando os céus de braços estendidos. E então pensei. É um super-herói!
Travei instantaneamente e fiquei parado dentro do automóvel, observando. Não estava nervoso nem assustado. Apenas muito ansioso.
A figura voou em círculos à minha volta, para então começar a descer lentamente na minha direcção e pousar com suavidade perto do meu carro.
Muito devagar, para não demonstrar agressividade, olhei então para ela. Devo ter gritado, mas só em pensamentos, porque o que vi me impediu de sequer respirar durante muitos segundos.
Na realidade, seria o super-herói menos convencional que jamais existira e nem com uma crise nas infinitas terras, nasceria um ser tão estranho.
Era até difícil olhar para ele. Não era muito alto, teria cerca de 1,60m, mas formava uma enorme montanha de músculos aprisionados com dificuldade na pele, de tom rosado e com um líquido que parecia suor escorrendo permanentemente e formando uma pequena poça junto aos seus pés, que evaporava no entanto com grande rapidez. A cobrir o corpo tinha um colete e umas calças de ar rude, mas que pareciam resistentes e em muito bom estado. Estava descalço, assentando em pés muito largos para suportar o seu imenso peso. As mãos, estranhamente pequenas e delicadas, eram a última semelhança visível com um ser humano, porque em cima de um pescoço curto e ameaçador, a cabeça e a face eram quase impossíveis de descrever.
Tinha uma espécie de focinho e uma boca enorme com dentes que lutavam por um espaço e de onde saía também um líquido viscoso e transparente que se misturava com o suor do seu corpo. Os olhos ficavam mais recuados e não eram muito grandes. Guardavam uma expressão de calma e de uma agressividade perfeitamente controlada. No alto, um pequeno tufo de cabelo castanho, que parecia negligenciado e umas orelhas muito pontiagudas com um rosa púrpura que pulsava em veias grossas e serpenteantes.
Fiquei em silêncio, sem sair do carro e de cabeça baixa, esperando um ataque brutal à minha vida. Então, ouvi-o a agarrar no puxador da porta e com gentileza, arrancar o metal que rasgou como se fosse papel. Espreitou para dentro e olhou nos meus olhos, para logo estender os braços e me puxar para fora.
Levantou-me no ar, bem a cima da sua cabeça, ao mesmo tempo que duas lágrimas faziam o percurso inverso. Depois, baixou-me lentamente e colocou-me frente a ele com as cabeças quase juntas. O seu odor, que agora podia sentir, não era desagradável e parecia nascer do abundante líquido que o cobria.
Aquele que eu chamara de super-herói juntou então a sua boca à minha e prolongou algo que não posso chamar de beijo, pela dor que me causaria fazê-lo.
Durante aqueles minutos, senti o líquido viscoso a entrar na minha garganta, invadindo-me e emprestando o odor que já me era familiar.
Caí no chão sem reacção e não quis observá-lo a levantar voo e desaparecer nos céus.
Chorei compulsivamente durante duas horas, sem capacidade para sequer definir sentimentos que, apesar do esforço, nada tinham a ver com repulsa ou com o mais simples dos medos.
Naquela manhã nasci outra vez, para um Mundo tão novo e onde teria que reaprender a andar.
Aos poucos levantei-me e retomei o meu caminho, quase gelado pelo vento que entrava onde outrora existira uma porta.
De regresso a casa lembrava-me distintamente de todos os pensamentos que ele me ofereceu sem um único som. Sempre soubera da sua existência! Desde sempre me acompanhou.Hoje posso vê-lo em cada minuto. Já não é costume voar. Vem normalmente num aparelho parecido com uma moto espacial, com muitos brilhantes e de aspecto veloz. Estaremos juntos até ao dia em que morrer, quando a sua protecção não fizer mais sentido!

O bilhete...

Um dia ao chegar a casa, reparei num pedaço de papel preso no limpa pára-brisas de um carro, parado mesmo em frente ao meu prédio. O carro pertence a uma rapariga que mora na minha rua e que secretamente admiro há algum tempo. Não tentem admirar ou platonicamente motivarem um qualquer interesse por alguém que não conhecem! É algo profundamente humilhante.
Mas aquele simples bilhete arrastou toda a minha atenção e com ela muita da trémula paz de espírito que sempre procuro. Chovia, e até em sonhos nevava e ele resistia. Nada parecia querer arrancar aquela folha branca do seu abrigo. Comecei a desenhar um plano que me levaria a conhecer o conteúdo da missiva. Seria um admirador rival? Um aviso de um vizinho, alguma coisa que em sonhos eu próprio escrevera e perdera da memória para sempre?
O dia acordou cinzento, mas à medida que despertava começou a ficar mais claro e alegre. Em breve pude ver um lindo céu azul que me acalmou. Dirigi-me devagar ao carro onde o bilhete ainda esvoaçava. Era estranha a sensação de caminhar para um segredo que inventara por não existir, mas que me acompanhara durante as noites habituais. As mãos estavam secas e não havia rasto de nervosismo na minha tarefa. Ao chegar perto do carro, fiquei um pouco parado, observando. O papel, já um pouco enrugado, ali continuava tornando impossível desistir.
Com muito cuidado retirei-o do vidro para o guardar no bolso direito do casaco. Depois corri, fugindo de nada.
Entrei em casa e agora, já a tremer, desembrulhei a folha onde consegui ler:

TEM COMPUTADOR?
TRABALHE A PARTIR DE CASA!
GANHE ATÉ 2.000 € POR MÊS!!