sexta-feira, novembro 03, 2006

O super herói...

Hoje de manhã, enquanto guiava, pareceu-me ver um minúsculo ponto negro no horizonte, deslocando-se a grande velocidade.
Durante uns minutos a imagem permaneceu igual, indicando que o objecto voador, na altura não identificado, estava a uma distância razoável.
O normal seria tratar-se de um avião que voava ainda longe, mas a baixa altitude, pelo que devia ser um qualquer tipo de aparelho militar.
Era muito cedo e eu viajava sozinho na estrada que se estendia por uma enorme planície, onde a visibilidade era perfeita e o horizonte quase sem fim.
Aos poucos o objecto começou a aproximar-se. Comecei por reparar que não estava tão longe como inicialmente julgara, devendo-se esta ilusão, ao facto de ele ser, na realidade, bastante mais pequeno do que imaginara.
Foi então, com uma mistura de horror e deslumbramento, que percebi que não era um avião ou qualquer outra máquina voadora. O objecto tinha acelerado bruscamente, ao mesmo tempo que alterava a sua rota de voo, em direcção a mim. Então, por mais que me beliscasse, consegui perceber uma figura humanóide, rasgando os céus de braços estendidos. E então pensei. É um super-herói!
Travei instantaneamente e fiquei parado dentro do automóvel, observando. Não estava nervoso nem assustado. Apenas muito ansioso.
A figura voou em círculos à minha volta, para então começar a descer lentamente na minha direcção e pousar com suavidade perto do meu carro.
Muito devagar, para não demonstrar agressividade, olhei então para ela. Devo ter gritado, mas só em pensamentos, porque o que vi me impediu de sequer respirar durante muitos segundos.
Na realidade, seria o super-herói menos convencional que jamais existira e nem com uma crise nas infinitas terras, nasceria um ser tão estranho.
Era até difícil olhar para ele. Não era muito alto, teria cerca de 1,60m, mas formava uma enorme montanha de músculos aprisionados com dificuldade na pele, de tom rosado e com um líquido que parecia suor escorrendo permanentemente e formando uma pequena poça junto aos seus pés, que evaporava no entanto com grande rapidez. A cobrir o corpo tinha um colete e umas calças de ar rude, mas que pareciam resistentes e em muito bom estado. Estava descalço, assentando em pés muito largos para suportar o seu imenso peso. As mãos, estranhamente pequenas e delicadas, eram a última semelhança visível com um ser humano, porque em cima de um pescoço curto e ameaçador, a cabeça e a face eram quase impossíveis de descrever.
Tinha uma espécie de focinho e uma boca enorme com dentes que lutavam por um espaço e de onde saía também um líquido viscoso e transparente que se misturava com o suor do seu corpo. Os olhos ficavam mais recuados e não eram muito grandes. Guardavam uma expressão de calma e de uma agressividade perfeitamente controlada. No alto, um pequeno tufo de cabelo castanho, que parecia negligenciado e umas orelhas muito pontiagudas com um rosa púrpura que pulsava em veias grossas e serpenteantes.
Fiquei em silêncio, sem sair do carro e de cabeça baixa, esperando um ataque brutal à minha vida. Então, ouvi-o a agarrar no puxador da porta e com gentileza, arrancar o metal que rasgou como se fosse papel. Espreitou para dentro e olhou nos meus olhos, para logo estender os braços e me puxar para fora.
Levantou-me no ar, bem a cima da sua cabeça, ao mesmo tempo que duas lágrimas faziam o percurso inverso. Depois, baixou-me lentamente e colocou-me frente a ele com as cabeças quase juntas. O seu odor, que agora podia sentir, não era desagradável e parecia nascer do abundante líquido que o cobria.
Aquele que eu chamara de super-herói juntou então a sua boca à minha e prolongou algo que não posso chamar de beijo, pela dor que me causaria fazê-lo.
Durante aqueles minutos, senti o líquido viscoso a entrar na minha garganta, invadindo-me e emprestando o odor que já me era familiar.
Caí no chão sem reacção e não quis observá-lo a levantar voo e desaparecer nos céus.
Chorei compulsivamente durante duas horas, sem capacidade para sequer definir sentimentos que, apesar do esforço, nada tinham a ver com repulsa ou com o mais simples dos medos.
Naquela manhã nasci outra vez, para um Mundo tão novo e onde teria que reaprender a andar.
Aos poucos levantei-me e retomei o meu caminho, quase gelado pelo vento que entrava onde outrora existira uma porta.
De regresso a casa lembrava-me distintamente de todos os pensamentos que ele me ofereceu sem um único som. Sempre soubera da sua existência! Desde sempre me acompanhou.Hoje posso vê-lo em cada minuto. Já não é costume voar. Vem normalmente num aparelho parecido com uma moto espacial, com muitos brilhantes e de aspecto veloz. Estaremos juntos até ao dia em que morrer, quando a sua protecção não fizer mais sentido!

4 comentários:

kolm disse...

Que sorte (sorriso)...

Cláudia disse...

Beijinho...está excelente

Anónimo disse...

As coisas a que chamamos às nossas forças interiores.......





Que descrição fabulosa, e eu, eu fiquei a pensar na coragem...

Anónimo disse...

:)... também tenho um... ;)