terça-feira, dezembro 26, 2006

A cidade...

Mais que um sonho, gostava de poder chorar nas tuas mãos. Impedir um destino sem sentido de levar a tua luz.
Naquele dia sabia já que te amaria, mesmo sem ver e sentir, mesmo sem ouvir rir a tua voz e perceber o embalar.

Cheguei numa tarde em que a Primavera saía sem ruído, em que o sono tomava conta das ruas. Acho que sofri por não ouvir canto ou sapateados.

Lembrei o teu sorriso e como me lembras uma Lua pouco vista e usada. Como encontrei o teu corpo de aromas, mas não consegui tocar-lhe por medo e sem vontade de lutar.

É numa lágrima que teima em não sair, que encontro forças para correr todas as ruas procurando um sentido, uma resposta. Porque dias mais agitados me tiraram a capacidade de perceber sentimentos e perguntas. Foi em becos escuros e depois ruas claras que ofegante corri, caí e não pude parar sem procurar tão doce bailarina. É de raiva que antecipo um sentimento de recordação amarga e bela, de quem não chegou a perceber o que sentia. Fui por bares e praças, pagando a carroças e cavalos para me seguirem por estreitos e antigos caminhos, onde sentia a tua presença.

Já tarde e tão cansado, perdi a esperança de forma pouco normal, sem esgrimir, sem raiva e sem instinto.
Esperei então encontrar-te por magia, por acaso, sem que precisasse de voar, de jogar, de criar lindos espectáculos de magia soberana e quente.

O sonho desabou e nem aroma, nem pele, nem memória de um simples abraço, que tanto queria, que tanto desejei, para que nesta gaveta ficasse gravado mais um pedaço de mim.

Falta coragem, falta ímpeto e a calma recente não ajuda em momentos de normal ansiedade, já não igual. Agora tudo é mais lento e percebo que vêem brisas em vez de ventos e elas pouco empurram.

Fica-me a sensação de que a cidade esperou por mim tantos anos, e ficará em sua calma de Sul, estendendo lençóis brancos nas pequenas varandas.

Abraça-me linda cidade, que esqueço por não ver. Se me tirares a vida leva-a contigo, devendo à pele e sua memória uma recordação antiga e sem espaço.

segunda-feira, dezembro 18, 2006

O beijo...

Já era tarde quando apareceu...a luz ficava menor e quase não podia vê-la. Parecia que se escondia da vida em cada sorriso.
Era uma Princesa sem o saber, de olhos tão verdes mas com medo.
Vinha por um caminho estreito dançando e acho que não eram flores que caiam do cabelo. Deviam ser pequenas fadas que esvoaçavam. Era estranho.
Eu ali fiquei à espera. De nada valia apressar ou ansiar. O caminho só tinha um sentido e terminava à minha beira. Podia assim respirar tranquilo, mas com o coração a bater. Porque não é todos os dias que tal acontece. Que pensam? É um momento de suspiros.
E depois chegou! Os olhos eram mais verdes e as fadas tinham fugido.
Não falava. E a calma começou a partir. Não sei dançar, pensei. Não sei esperar. Que podia fazer?
Ela sim dançou. À minha volta...atrás de mim...mas sempre sorrindo. Era bom que começassem a chover feitiços. Mas tal não aconteceu.
Ali ficámos. Num estado de sono e sonho...ouvindo violinos e lendas.
Até que...até que devagar nos olhámos, parados e a respirar...juntando o peito num só batimento...encostando os lábios sem perceber...num único beijo.

quinta-feira, dezembro 14, 2006

Num qualquer dia...

Num qualquer dia olhamos para quem ainda não se tinha cruzado com a nossa vida. E então ficamos a sorrir, a olhar, a pensar num colo eterno, numa aventura doce e terna...dormindo, sonhando...
Num acto impulsivo levantamos voo, até quase cair...com o coração a tremer...

Num qualquer dia nos perdemos. Ficamos desprendidos de toda a lucidez e abraçamos os disparates com ternura, mas com tanto empenho!
Não nos é cara a ideia de tentar voltar a sonhar, com calma…e sem vontade de cair.

Ao som de um qualquer tabaco percebi que tinha voltado a mim. E escrevi…
Uma morena de tempestades entrou na minha vida numa tarde com pintas de Primavera.

terça-feira, dezembro 12, 2006

O salto...

Alguém apareceu sem aviso na minha vida!
Gerando, empatias, criando risos largos e abertos. Despertando sonhos e desejos escondidos de os realizar.
Alguém teve a capacidade de me devolver condição humana, de Duende e de Mágico e de quem não pode equilibrar em baixo de um só pé tão fina e doce linha de algodão.
Rapidamente podia cair, sem certeza de qual o lado a receber tão estrondosa queda. Precipitadamente teria que escolher sem ponderar, sonhar…e céus…muito menos chorar.
Na crença milenar, quando morremos temos que atravessar uma ponte fina e afiada como o gume de uma espada. Se o conseguirmos chegamos ao Paraíso…
Receio não os ter…aos Paraísos. Tenho medo de querer viver demais, de pedir demais, de berrar para que os meus brinquedos não desapareçam.
Quero continuar com a ilusão de conseguir suportar tanta vida e sentimento, tanta culpa e sorrisos doces…

Resta-me olhar para dentro, para o fim de uma velha ponte rodeada de breu, que se partiu a meio indicando um vácuo aterrador. Tudo se resume a uma pequena interrogação, traduzida num enorme salto.

sexta-feira, dezembro 01, 2006

A discussão...

Naquela noite já não podia caminhar mais. Não sei se eram dores ou movimentos tão precários que me faziam quase cambalear.
A conversa tinha sido extenuante. Susana era uma mulher forte, que deixava de lado qualquer réstia de carinho quando discutia. Tal acontecia mesmo com assuntos de menor importância. Mas hoje tinha sido diferente. Aparentemente tinha sido descoberto!
Há cerca de dois meses que mantinha um relacionamento com outra mulher. Mais bonita, sincera e tão parecida com a Susana de há cinco anos atrás. Ela tinha mudado. Aos meus olhos ia-se tornando numa mulherzinha que me obrigava a trai-la.
A compensação chegou numa linda mulher que conheci por acaso. Passei os últimos tempos tentando, em vão, decidir-me por fazer a troca que desejava e temia.
Quase desisti até hoje de manhã quando recebi um telefonema. Susana parecia irritada. Quis saber onde andava, porque não atendera a primeira chamada, acompanhando as perguntas com sonoros risos cínicos e o repetir da mesma expressão – Tu não me conheces!
Confesso que cheguei a ter medo. É estranho e impressionante o medo a que as mulheres nos conseguem submeter. Na verdade, penso que o mérito é profundamente nosso e reside na consciência da incapacidade em nos libertarmos. Somos quantas vezes incapazes de largar a maternidade, a sua protecção projectada em mulheres e amantes. De ficarmos sós perdendo a luta por um colo que aspiramos para um dia desprezar.
Já perto da hora de almoço chegou, já irritada, perto de mim. O beijo foi como um arrancar da confissão final e o silêncio seguinte uma verdadeira tortura. Podia ver as suas veias a latejar enquanto engrossavam, preparando-se para me atacar.
Sem aguentar mais, desisti e comecei a falar.
- Susana! Sei que não me vais perdoar e que o que fiz não pode ter justificação. Mas por favor ouve-me um pouco!
Ela respirou com pouca calma.
- Não vai adiantar muito, pois a minha capacidade de te ouvir desapareceu há séculos. Mas fala!
- Eu não queria magoar-te. Sei que te vão parecer palavras gastas e sem sentido, mas tens que acreditar em mim. Não têm sido tempos fáceis e embora não me atreva a negar as culpas, é certo que existem atenuantes. Eu ando muito cansado, pressionado no meu emprego, infeliz no que a vida me tem dado. Podes não entender, mas é difícil para um homem. Não podemos aguentar tanta tradição cruel, que nos empurra a cada momento para acções e pensamentos tão errados. Quase choro quando penso no teu sofrimento e outras vezes esqueço-me de o impedir. Podes agredir-me e continuarei a amar-te para todo o sempre. Reconheço com vergonha o lugar comum e juro que não significou nada para mim. Eu amo-te!
- Ouviste-me? Eu amo-te demais!
Ela pareceu acordar nesse instante de um pesadelo.
- Não penses que me tratas como uma qualquer. Por tua culpa jantei sozinha com os teus amigos. É a última vez que aturo os teus esquecimentos. Vá, despacha-te com esse café. Ainda temos duas casas para ver hoje.

Era já tarde e ainda caminhava atrás dela. Rezava por encontrar outro caminho!