terça-feira, novembro 21, 2006

O chupão...

Sempre fui fiel! Pelo menos até ao dia em fui posto à prova. E então deslizei com estrondo!
Penso, talvez em ilegítima defesa, que infiel não é quem nunca traiu o cônjuge, mas sim aquele que, perante essa possibilidade, não consegue resistir. Ou, recorrendo à teoria do meu avô, «fiel é o marido que traindo a mulher, não a troca pela amante»!! Ele há vários tipos de abordagens e esta pelo menos permite que eu e os meus irmãos pudéssemos chegar a este mundo. Mas voltemos ao principal.
Passaram mais de dois meses, nos quais me aproximei dela e percebi com total consciência que esta não seria uma simples amizade de trabalho. Mas o meu ego estava mais confortável do que nunca e a inveja estampada nos olhos de alguns, faziam de cada dia um triunfo pessoal.
Até que uma tarde, quase sem saber como, no meio de pequenas mentiras, finalmente me espalhei ao comprido. E o meu pesadelo começou! Ao colocar a gravata frente a um espelho, quase chorei ao ver o meu pescoço. Tinha um chupão! E não era um chupão qualquer. Bem visível, já com o sangue brutalmente pisado, aparecia na parte direita do meu pescoço e tinha pelo menos quatro centímetros de diâmetro. Respirei fundo. Tinha que manter a calma!
Acabei de me vestir, com uma última réstia de esperança, para logo perceber que “ele” estava bem a cima do colarinho da camisa e em contraste com esta parecia ainda mais vivo e saudável. Percebi que não iria embora facilmente.
Estávamos em pleno Agosto, com médias de 38 graus, pelo que cachecóis e gola alta foram de imediato riscados da estratégia que, entretanto, começara a delinear.
- O que é que eu faço?
Corri para a minha "companheira" e responsável pela criação da obra de arte e apontei para o meu pescoço. Ela sorriu e disse - Olha, tens um chupão!
Durante cerca de trinta segundos o meu sangue ferveu e só graças a um inesperado auto-controlo as minhas mãos se mantiveram afastadas do seu pescoço, que por solidariedade por certo se tornaria, devido à falta de oxigénio, ainda mais vermelho que o meu, assim como o seu minúsculo cérebro alojado nas proximidades.
Uma vez mais inspirei com calma e tentei descontrair.
Ao ver-me entregue ao meu destino, saí rapidamente para a rua, pensando numa saída para este beco escuro e sem aparente saída. O que faria uma mulher no meu lugar?
E foi então que a passagem secreta se abriu mesmo à minha frente! Do outro lado da rua estava uma daquelas lojas onde só entro no Natal para compras desesperadas, e onde residia, pensei eu, a minha salvação. Maquilhagem!
Se esta arte ancestral pode esconder quase tudo, incluído décadas inteiras não assumidas, seria por certo capaz de anular um simples chupão.
Corri para a porta e entrei com um sonoro - Boa tarde!
Quase de imediato me arrependi de tão imbecil acto pois as empregadas, que eram três numa loja deserta, convergiram para o balcão à minha frente para, irritantemente, perguntarem em coro. - Em que podemos ajudar?
Com todas a veias do meu corpo a latejar, perguntei de forma directa. - Como é que posso disfarçar isto? E ao mesmo tempo apontei para o meu pescoço.
Não sei se já entraram numa loja destas, mas as empregadas estão por norma bem arranjadas, com grandes doses de maquilhagem e perfume, como se elas próprias fossem um expositor móvel dos produtos que vendem. A mais alta e que estava no meio das outras exclamou. - Isso é um chupão!
Impressionado com tamanha capacidade de observação, limitei-me a acenar com a cabeça afirmativamente.
- E como é que o senhor arranjou isso? Perguntou a mulher, que começava a esboçar um pequeno sorriso.
- Acabei de lhe dizer que quero disfarçar com maquilhagem, o chupão enorme que se alojou no meu pescoço. Como é que acha que eu arranjei isto?
A mulher olhou-me de alto a baixo e respondeu.
- Vamos ver o que se pode fazer. Desapareceu com as colegas para baixo do balcão durante uns segundos, para logo voltarem com a maior colecção de recipientes que vira em toda a minha vida. Quase que corri para um espelho, temendo que existissem outros chupões ou marcas visíveis, mas a diversidade de produtos expostos na minha frente foi de pronto justificada.
- Não sabemos qual a base que se adapta melhor à sua cor de pele.
- A base?
- Sim, é uma espécie de creme que as senhoras usam supostamente para servir de suporte à maquilhagem. De facto o que faz é preencher as imperfeições e desníveis do rosto, cobrindo igualmente manchas ou áreas com deficiente pigmentação.
Fiquei em pânico! Por momentos, pensei que não sobreviveria. Mas com o passar dos minutos uma alegria imensa invadiu o meu coração que podia agora retomar o seu ritmo normal. Era uma autêntica magia. O chupão desaparecera por completo. No seu lugar, uma cópia exacta do que fora um dia a pele do meu pescoço. E por incrível que pareça ninguém diria que estava maquilhado, tal era a perfeição da intervenção. Quase beijei aquelas lindas mulheres que me salvaram e depois de uma simpática gratificação, fui para casa.
A minha mulher já tinha chegado e como eu previra não notou qualquer diferença no meu pescoço. Elogiou, inclusive a minha gravata, oferecida pela minha sogra e que estava perigosamente perto da prova do crime. Mas o segredo manteve-se inviolável. Agora podia descansar!
E foi então que uma tonelada de ignorância e estupidez acumuladas pelo sexo masculino durante séculos e séculos, desabaram estrondosamente nos meus ombros. Atordoado pela descompressão e imerso num estado de felicidade absoluto, segui um hábito antigo que sempre cumpria ao chegar a casa. Tomar banho!
Deve ter sido quando a água no fundo da banheira começou a ficar castanha, que percebi a dimensão do meu acto e caí de joelhos já sem pânico, mas envolto apenas num enorme sentimento que misturava tristeza com a total ausência de inteligência.
Vesti o roupão e dirigi-me à sala, preparado para o pior. Estava exausto e a capacidade para mentir abandonara-me por completo.
A minha mulher estava sentada a ver televisão. Sentei-me perto dela e esperei. Restava-me agora, a táctica suprema. O improviso!
Ela olhou para mim e de imediato percebeu a presença alienígena no meu pescoço. Então disse. - Não tinha percebido que tinhas um chupão. A noite de ontem foi realmente especial. Há uns anos que não te ouvia gritar de prazer!
Deu-me um beijo na testa e desapareceu para a cozinha para fazer o jantar.Fiquei uns minutos perdido, em silêncio, até que as memórias começaram a assentar. Na noite passada tínhamos feito amor, ou sexo, ou lá o que se chama quando um dos parceiros adormece em plena, mas pouca acção. O grito não tinha sido de prazer, mas de susto e dor, por acordar com uma enorme dentada no pescoço. Saímos cedo, sem trocar um único olhar e eu passara a manhã fora do escritório e sem acesso a espelhos ou comentários inconvenientes. A tarde, essa começou em ambiente pouco iluminado e terminaria na mais completa escuridão.

7 comentários:

Abelhinha disse...

quando temos o rabo preso parece que toda a gente sabe o nosso pequeno segredo não é?

Mistic disse...

O problema é termos o rabo preso. Se provavelmente o mesmo sucede com a mulher, porque é que vivemos num estado de hipocrisia generalizada? porque é que não assumimos a nossa libido? porque é que vivemos presos a mentiras, ciumes, inseguranças... pq é que nao somos transparentes?

Se calhar porque toda a gente é bem mais feliz na mentira que na crua sinceridade... :)


hasta

Anónimo disse...

Estive agora e ler os teus posts. Engraçado. Quando penso que és tu a escreveres o que viveste, logo a seguir penso que não és. Estás escondido por aqui... entre umas e outras linhas. :) bjinhos

Cláudia disse...

Um beijo...
Gosto muito de te ler.

vinte e dois disse...

Confesso que comecei a ler o post por distracção, mas depressa me "agarrou" e tive que o ler todo. Parabéns pela história, fictícia ou não ;)

Anónimo disse...

Feito com arrepios e disfarçado com pózinhos...

Mesmo assim muito feio...

inBluesY disse...

este é outro dos tais ;)
1 bj a voar