domingo, outubro 15, 2006

O tango…

Não é possível ler estas palavras sem que sejam acompanhadas por música escolhida para o efeito.
Que permita um doce embalar de sentimentos e percepções muito pequenas.
Talvez erre ao chamar-lhes tango, mas essa é uma das vantagens e belezas da imaginação. Não vale a pena explicá-la. Nem sequer demorar mais que momentos em tentativas que não trazem respostas.
Consegui, ao fim de muitos anos a suprema glória de dominar os sonhos. E então, corajosamente abraçando esta nova capacidade, saí numa calma noite de Primavera.
Era bem real o cheiro do Verão esperando a uma esquina e o aperto na barriga que me alertava para algo que ainda não chegara…
Passei junto a um discreto arco de néon que alternava com a escuridão e onde conseguia ler uma única palavra…Tango!
Uma porta pequena, que conduzia a escadas pouco iluminadas do que supus ser um salão de baile, atraiu-me ao seu interior.
Fui recebido por um porteiro educado, muito baixinho, de lenço fadista ao pescoço e uma suave voz repleta de gentileza.
Entrei no salão com cores de sangue e rosas latinas, que roubavam o pouco oxigénio que ainda persistia.
Havia pouca gente e a maior parte parecia, pela atitude e postura, ser parte do pessoal da casa que, na ausência de trabalho, conversava descontraidamente.
Ao centro dançava a mais feia bailarina que alguma vez havia visto que, num acaso mórbido, era igualmente horrível na forma jamais sedutora com que martelava o chão de madeira escura.
Não tive tempo, apesar da tentativa, de recuar daquele sonho que já não controlava e fui envolvido por um cheiro putrefacto que um lenço gasto exalava com persistência.
A bailarina, mistura disforme de Mari Carmen com qualquer coisa, rodopiava em meu redor, fazendo o trapo vermelho a que chamara lenço abraçar-me de forma grotesca.
A indumentária de vermelho flamengo, nada tinha a ver com um agradável bolero, único elemento que me ajudava a resistir e que tinha escolhido num ínfimo momento em que recuperei o controlo deste sonho quase pesadelo, só para logo o perder de novo no meio dos cheiros, fumos e ambiente difícil de descrever.
Aproximava-se a altura do beijo roubado, neste caso com contornos de sequestro, quando consegui fugir tropeçando nas escadas e no breu que as cobria.
Acordei sem transpirar e com um terror moderado, mas com saudades daquela música que me salvara e do sonho de uma noite inesquecível.
Voltaria no próximo sono…para reencontrá-la, e a todos os outros protagonistas de um quadro desenhado apenas pela vontade de isolar acordes mágicos que faziam parte do que chamo felicidade. Tangos toscos com pedaços do nosso mundo!

1 comentário:

Abelhinha disse...

Até me senti dentro desse sonho quase pesadelo.

Obrigada pela visita